A CABANA – O FIM DO DISCERNIMENTO EVANGÉLICOPOR ALBERT MOHLER
O mundo editorial vê poucos livros alcançarem o status de blockbuster, mas A Cabana, deWilliam Paul Young já ultrapassou esse ponto. O livro, originalmente auto-publicado por Young e mais dois amigos, já vendeu mais de 10 milhões de cópias e foi traduzido para em mais de trinta línguas. Já é um dos livros mais vendidos dois últimos tempos, e seus leitores são muito entusiasmados.
Willian Paul Young
Willian Paul Young
De acordo com Young, o livro foi escrito originalmente para seus filhos. Essencialmente, a história pode ser descrita como uma teodicéia narrativa – uma tentativa de responder às questões sobre o mal e o caráter de Deus por meio de uma história. Nessa história, o personagem principal está enfrentando grande sofrimento após o seqüestro e homicídio brutal de sua filha de sete anos, quando recebe um convite que se torna um chamado de Deus para encontrá-lo na mesma cabana onde sua filha foi assassinada.
Na cabana, “Mack” se encontra com a divina Trindade: “Papa”, uma mulher afro-americana;Jesus, um carpinteiro judeu; e “Sarayu”, uma mulher asiática revelada como sendo o Espírito Santo. O livro é na maior parte uma série de diálogos entre Mack, Papa, Jesus e Sarayu. Essas conversas revelam um Deus bem diferente do Deus da Bíblia. “Papa” é alguém que nunca faz algum julgamento e parece muito determinado em afirmar que toda a humanidade já foi redimida.
A teologia de A Cabana não é incidental na história. De fato, em muitos pontos a narrativa parece servir apenas como estrutura para os diálogos. E os diálogos revelam uma teologia que é, no mínimo, inconvencional e indubitavelmente herética sob alguns aspectos.
Enquanto o dispositivo literário de uma “trindade” incomum das pessoas divinas é em si mesmo sub-bíblico e perigoso, as explicações teológicas são piores. “Papa” fala a Mack sobre o momento em que as três pessoas da Trindade “se manifestaram à existência humana como o Filho de Deus”. Em lugar algum da Bíblia se fala sobre o Pai ou o Espírito vindo à existência humana. A Cristologia do livro é semelhantemente confusa. “Papa” diz a Mack que, mesmo Jesus sendo completamente Deus, “ele nunca dependeu de sua natureza divina para fazer alguma coisa. Ele apenas viveu em relacionamento comigo, vivendo da mesma maneira que eu desejo viver em relacionamento com todos os seres humanos”. Quando Jesus curou cegos, “Ele o fez apenas como um ser humano dependente e limitado, confiando em minha vida e meu poder trabalhando nele e através dele. Jesus, como ser humano, não tinha poder algum em si para curar qualquer pessoa”.
Há uma extensa confusão teológica para desbaratar aí, mas é suficiente dizer que a igreja cristã tem lutado por séculos para ter um entendimento que não ponha em risco a própria fé cristã. < A Cabana é um risco a mais genuína fé cristã e bíblica>
Jesus diz a Mack que é “a melhor forma para qualquer humano se relacionar com Papa ou Sarayu”. Não o único caminho, mas apenas o melhor caminho.
Em outro capítulo, “Papa” corrige a teologia de Mack ao afirmar “Eu não preciso punir as pessoas pelo pecado. O pecado é a própria punição, te devorando por dentro. Não é meu propósito puni-lo; minha alegria é curá-lo”. Sem dúvida alguma, o prazer de Deus está na expiação alcançada pelo Filho. Entretanto, a Bíblia revela consistentemente que Deus é o santo e correto Juiz, que irá de fato punir pecadores. A idéia de que o pecado é meramente “a própria punição” se encaixa no conceito oriental de karma, não no evangelho cristão.
O relacionamento do Pai com o Filho, revelado em textos como João 17, é rejeitado em favor de uma igualdade absoluta de autoridade entre as pessoas da Trindade. “Papa” explica que “nós não temos nenhum conceito de autoridade final entre nós, apenas unidade”. Em um dos parágrafos mais bizarros do livro, Jesus fala para Mack: “Papa está tão submisso a mim como eu estou a ele, ou Sarayu a mim, ou Para a ela. Submissão não tem a ver com autoridade e não é obediência; tem a ver com relacionamentos de amor e respeito. Na verdade, somos submissos a você da mesma forma”.
A submissão da trindade a um ser humano – ou a todos os seres humanos – teorizada aqui é uma inovação teológica do tipo mais extremo e perigoso. A essência da idolatria é a auto-adoração, e a idéia de que a Trindade é submissa (de qualquer forma) à humanidade é indiscutivelmente idólatra.
Os aspectos mais controversos da mensagem do livro envolvem as questões de universalismo, redenção universal e reconciliação total. Jesus diz a Mack: “Aqueles que me amam vêm de todos os sistemas existentes. São Budistas ou Mórmons, Batistas ou Muçulmanos, Democratas, Republicanos e muitos que não votam ou não fazem parte de qualquer reunião dominical ou instituição religiosa”. Jesus acrescenta, “Eu não tenho nenhum desejo de torná-los cristãos, mas apenas acompanhá-los em sua transformação em filhos e filhas do meu Papa, em meus irmãos e irmãs, meus Amados”.
Mack faz então a pergunta óbvia – todos os caminhos levam a Cristo? Jesus responde “muitos caminhos não levam a lugar algum. O que significa que eu vou caminhar por qualquer caminho para te achar”.
Dado o contexto, é impossível não tirar conclusões essencialmente universalistas ou inclusivistas sobre o pensamento de William Young. “Papa” diz a Mack que ele está reconciliado com todo o mundo. Mack questiona: “Todo o mundo? Você quer dizer aqueles que acreditam em você, certo?”. “Para” responde “O mundo inteiro, Mack”.
Tudo isso junto leva a algo muito parecido com a doutrina da reconciliação proposta por Karl Barth. E mesmo que Wayne Jacobson, colaborador de William Young, tenha lamentado que a “auto intitulada polícia doutrinária” tenha acusado o livro de ensinar a reconciliação total, ele reconhece que as primeiras versões dos manuscritos eram muito influenciadas pelas convicções “parciais, na época” de Young na reconciliação total – o ensino de que a cruz e a ressurreição de Cristo alcançaram uma reconciliação unilateral de todos os pecadores (e toda a criação) com Deus.
James B. DeYoung, do Western Theological Seminary, especialista em Novo Testamento que conhece William Young há anos, afirma que Young aceita uma forma de “universalismo cristão”. A Cabana, ele afirma, “está fundamentado na reconciliação universal”.
Mesmo quando Wayne Jacobson e outros reclamam daqueles que identificam heresias em A Cabana, o fato é que a igreja Cristã identificou explicitamente esses ensinamentos exatamente como são – heresia. A questão óbvia é: Como é que tantos cristãos evangélicos parecem não apenas serem atraídos para essa história, mas para a teologia apresentada na narrativa – uma teologia que em muitos pontos conflita com as convicções evangélicas?
Observadores evangélicos não estão sozinhos nessa questão. Escrevendo em The Chronicle of Higher Education (A Crônica da Alta Educação N. T.), o professor Timothy Beal da Case Western University argumenta que a popularidade de A Cabana sugere que os evangélicos talvez estejam mudando sua teologia. Ele cita os “modelos metafóricos não bíblicos de Deus” do livro, assim como o “não hierárquico” modelo da Trindade e, mais importante, “a teologia da salvação universal”.
Beal afirma que nada dessa teologia é parte da “teologia evangélica tradicional”, e então explica:“De fato, todas as três estão enraizadas no discurso acadêmico radical e liberal dos anos 70 e 80 – trabalho que influenciou profundamente a teologia da libertação e o feminismo contemporâneo, mas, até agora, teve pouco impacto nas conjecturas teológicas não acadêmicas, especialmente dentro do meio religioso tradicional”.
Ele então pergunta: “O que essas idéias teológicas progressivas estão fazendo dentro desse fenômeno evangélico pop?”. Resposta: “Poucos de nós sabemos, mas elas têm sido presentes nas margens liberais do pensamento evangélico por décadas”. Agora, continua, A Cabana tem introduzido e popularizado esses conceitos liberais mesmo em meio aos evangélicos tradicionais.
Timothy Beal não pode ser considerado apenas um “caçador de heresias” conservador. Ele está empolgado com a forma que essas “idéias teológicas progressivas” estão “se infiltrando na cultura popular por meio de "A Cabana”.
De forma similar, escrevendo em Books & Culture (Livros & Cultura N.T.), Katherine Jeffreyconclui que A Cabana “oferece uma teodicéia pós-moderna e pós-bíblica”. Enquanto sua maior preocupação é o lugar do livro “em um cenário literário cristão”, ela não pode evitar o debate dessa mensagem teológica.
Ao avaliar o livro, deve manter-se em mente que A Cabana é uma obra de ficção. Mas é também um argumento teológico, e isso não pode ser negado. Um grande número de romances e obras de literatura notáveis contém aberrações teológicas e até heresias. A questão crucial é se a aberração doutrinária é apenas parte da história, ou é a mensagem da obra propriamente dita. Quando se fala em A Cabana, o fato mais perturbante é que muitos leitores são atraídos pela mensagem teológica do livro, e não enxergam como ela é conflitante com a Bíblia em tantos pontos cruciais.
Tudo isso revela um fracasso desastroso do discernimento evangélico. É difícil não concluir que o discernimento teológico é agora uma arte perdida entre os evangélicos – e essa perda só pode levar à catástrofe teológica.
A resposta não é banir A Cabana ou tirá-lo das mãos dos leitores. Não devemos temer livros – devemos lê-los para respondê-los. Precisamos desesperadamente de uma restauração teológica que só pode vir através da prática do discernimento bíblico. Isso requer de nós identificarmos os perigos doutrinários de A Cabana, para termos certeza. Mas nossa tarefa verdadeira é reaproximar os evangélicos dos ensinos da Bíblia sobre essas questões e cultivar um rearmamento doutrinário dos cristãos.
A Cabana é um alarme para o cristianismo evangélico. É o que dizem afirmações como as de Timothy Beal. A popularidade desse livro entre os evangélicos só pode ser explicada pela falta de conhecimento teológico básico entre nós – uma falha no próprio entendimento do Evangelho de Cristo. A perda trágica da arte do discernimento bíblico deve ser assumida como uma perda desastrosa de conhecimento bíblico. Discernimento não consegue sobreviver sem doutrina.
Traduzido por Filipe Schulz / iPródigo
Sobre uma crítica feita à crítica ao livro A Cabana respondi a um leitor no facebook, o que reproduzo abaixo:
ResponderExcluirMas vamos então a ponto por ponto:
1) A cabana é literatura, portanto é arte, e possui a liberdade artística de uma obra de arte, correto. Porem nenhuma arte é isenta de posições e reflete sim crenças. Um a torre em uma igreja ou mesquita é arquitetura e portanto arte de fala por si mesmo e expressa crença e crena teológica, embora não explícita.
2) Fé não se restringe a Dogmas somente, essa é uma definição simplista. Tudo o que se crê é resultado de fé. Outro erro é que a fé é razoável sim, racionalizada, calcada em correlações lógicas que podem ser discutidas, revertidas, atualizadas, etc tanto quando a crença científica. Muito da ciência é fruto de fé, e cuja "comprovação" se baseia em correlações "possíveis", "plausíveis" e para usar um vocábulo moderno ( virtuais = possível )
3) Concordo: boa parte dos teólogos desconhecem a Deus. Verdade, a teologia como outras ciências que trabalham no limiar da comprovação ( como a psicologia por exemplo ) se sustentam por modelos fechados e defendidos com unhas e dentes e que cujos defensores se degladiam as vezes desonestamente.
4) Sobre a Bíblia ser ou não ser a Palavra de Deus você acerta no que disse de Paulo e erra quando não reconhece que o que era reconhecido como "Palavra de Deus" era toda a intervenção ocorrida, por palavras ou por registros e relatos em toda a história judaica e anterior preservada pela transmissão oral. Sob esse aspecto, o que resultou na Bíblia atual, é a mesma Palavra de Deus, ou seja uma coleção peculiar de informações ( até difíceis de serem de fato compreendidas de modo claro - se fosse fácil o conhecimento seria único e consensual ) a partir das quais podemos elaborar pessoalmente ( e não institucionalmente ) o conceito e a imagem do caráter pessoal de Deus.
5) O Salmo 119, é um poema, portanto arte, escrita a partir da apreensão pessoal do autor á época, uma constatação, que pode ser imitada, constatada pessoalmente ou não. Não é um "dogma" portanto.
6) Não ha escapatória, a maior parte da nossa experiência humana é mera repetição do que ouvimos. Logo qualquer negação é também a repetição de um certo "dogma" que refuta outros dogmas. Você não duvida originalmente por si mesmo. É resultado de uma empatia explicável de que lado você estará finalmente.
7) A crítica ao livro A Cabana não pode ser tão apaixonadamente temida sob acusação de ser uma censura dogmática. As afirmações do autor não surge do nada e nem são isoladas, na verdade ele se projeta como uma reveladora e consistente teologia embora não diga que esse é o seu objetivo, e com pouca ou nenhuma base se intromete em crenas que gostando, querendo ou não é propriedade intelectual e afetiva de grupos, instituições e pessoas. é dar palpite sem ser convidado na família dos outros. Se pode, pela liberdade de expressão ideal fazê-lo da mesma maneira e modo é passível de crias e análises sejam quais forem.
Um abraço, e por um diálogo honesto e aberto, se quiser estarei disponível. Não é necessário concordarmos.
Helvecio Santosp Além do que toda afirmação ( qualquer que seja ) é dogmática, incluída a negação. O relativismo imaginado por alguns e um delírio, tanto quanto o do livro citado.
ResponderExcluirSobre o relaitivismo defendido por tantas pessoas hoje eu disse antes em um debate:
Então um zé das quantas, de repente, tantos séculos depois, sozinho com seus botões, tem uma auto iluminação, e passa a descrever um quadro pacificamente resolvido numa alternativa incoerente e ele está CERTO! Mais dogmática que essa presunção impossível!!!
Sobre a crítica feita por alguém sobre a Bíblia ser "A Palavra de Deus" eu disse um pouco antes:
ResponderExcluirHelvecio Santosp "Achista" é uma palavra que se aplica muito melhor ao relativismo cultuado pelas pessoas. A Bíblia é contra a declaração feita por ela mesma ( tidos por opositores como um "dogma absurdo" ) de que ela ( a Bíblia ) seja a Palavra de Deus? Ainda que e tese fosse verdade tal afirmação é incoerente internamente... senão vejamos: que segurança me dá algo que diz de se mesmo que não é segura?
Há um outro detalhe que nem é religioso: a realidade não muda por causa da apreensão que temos dela. Ou seja em tese uma verdade nunca será influenciada ou mudada de acordo co uma descrição feita dela.
Logo o que se tem é, das duas uma situação:
Ou o ser humano pode encontrar a verdade
ou nunca a encontrará, está perdido e condenado a um eterno e interminável devaneio.
Ainda dentro do assunto eu disse:
ResponderExcluirHa um erro importante aí:
Esse erro pertence tanto a teologia institucional, acadêmica como a qualquer digressão descritiva sobre Deus, Deus é visto como objeto de analise e descrição.
A Bíblia como nós a conhecemos é a"Palavra de Deus" se aceitamos toda a iniciativa de Deus em se revelar através dela à humanidade como um todo. Essa revelação feita de forma acumulativa e as vezes descontinuada e localizada é hoje a maior e mais segura fonte para conhecimento de Deus.
A Cabana ( e seus autores ) podem propor o que quiserem como fizeram todos os teólogos ( reconhecidos como tal, tanto no cristianismo ou fora dele ). O que discordamos sobre o livro é: você não aceita críticas ao livro baseada na ortodoxia ou seja o que for. Eu defendo a crítica o livro e sou contra igualmente à sua censura ( coisa colocada no meu post compilado de outras publicações ). O que eu não aceito é pretensa superioridade do livro sobre conceitos cridos por reconhecida parcela de cristãos.
No meu post alguns desses pontos são apenas comparados, nada é dito contra a pessoa do autor. É apenas uma contribuição a boa apologética, o leitor é quem decidirá qual a sua posição pessoal.
Ainda sobre o que se relaciona à Fé. A fé é sim tão racional quanto uma demonstração científica e a ciência reenche lacunas claras e até irreversíveis com declarações de pura fé. Um exemplo de passagem é o debate se algo pode escapar ou não de um buraco negro, um debate de três décadas entre dois renomados físicos no mundo. Um deles deu um passo atrás na sua posição e não apresentou e nenhuma prova nos últimos três anos. Os dois, no caso fazem declarações, razoáveis, sem provas definitivas em um passo claro de fé.
Um abraço!