Senti há alguns dias atrás falar sobre assunto, discorrer sobre esse tema que de um modo ou de outro é recorrente e presente em nossa prática cristã diária, estando nós conscientes disso ou não. Esse tema foi desenvolvido em algumas partes, com outro enfoque, pelo meu querido irmão em Cristo Jorge Fernandes Isah do blog Kálamos. O tema é o mesmo mas o enfoque complementar, por outro ângulo, e pela complexidade ainda que feita sinteticamente, demandará mais de uma ou duas partes.
A posição teológica prevalente é a de que o Velho Testamento e o Novo Testamento, aos quais prefiro chamá-los de Antiga Aliança e Nova Aliança, Antigo Pacto e Novo Pacto, etc, é de que no período anterior ao fim do ministério de Jesus, para ser mais exato, a Sua ressurreição, prevalecia a Lei e posteriormente a Graça. Sob a Graça entende-se que simplificadamente que a doação por parte de Deus da salvação ao homem e o recebimento dessa pelo mesmo, sem nenhum elemento que o faça recebê-la, merecê-la, barganhá-la, etc.
Sob a Lei entende-se que, além dos Dez Mandamentos, dados a Deus por intermédio de Moisés, e todos os demais preceitos do livro de Levítico, haveria uma conduta, baseada nessa Lei pelo qual o homem seria aceito e portanto salvo. A mesma Escritura deixa claro posteriormente que, o propósito da Lei não era a salvação mas outro. A Lei era pedagógica, metafórica e portanto sombra das verdades que seriam reveladas e dos cumprimentos dos atos de Deus na história humana. Ainda simplificadamente o que separa uma coisa, um elemento, uma instituição da outra parece ser o tempo. A Lei parece abolida já que a Graça é instituída temporalmente.
Durante o período de maior dominação e poderio católico-romano a Graça ficou sufocada e dela perdeu-se a real compreensão, algo somente recuperado via Reforma Protestante há cinco séculos atrás, por meio dos Reformadores protestantes, dos quais o principal é sem dúvida Martin Lutero, seguido de muitos outros empenhados no mesmo objetivo: o de restaurar o Evangelho da Graça. A Salvação pela Graça é a maior conquista do protestantismo, sem sombra de nenhuma dúvida, juntamente com o Livre Exame das Escrituras e o Sacerdócio Universal, ou seja a ligação do homem a Deus individualmente e sem a mediação da instituição religiosa, a igreja institucional, seja qual for ela, católica-romana, ortodoxa, anglicana ou as atuais evangélicas.
Contudo no dia a dia, guarda-se muito ainda dessa sensação de legalismo que aparece não poucas vezes ou na prática de alguns grupos, na crítica de outros pela aparente falta de sua materialidade. No meio cristão práticas simplórias aparecem no Catolicismo como não comer carne na sexta-feira da paixão, guarda do sábado pelos Adventistas do 7º Dia, etc. Contudo é injusto atribuir só a esses dois grupos alguma manifestação de legalismo. Não raspar a perna na Igreja Deus a Amor, não usar barba na Assembleia de Deus, são alguns dos criativos e múltiplos exemplos. Mulheres não poderem tingir os cabelos, cortá-los, ou usar calças compridas, etc. Algumas foram vencidas pela contemporanidade como assistir televisão, ouvir rádio, etc, etc, mas podem aparecer sob outras formas em resposta a mudanças sociais. A rebeldia e o rechaço objetivo a certas imposições claramente Escriturísticas são manifestações de anti-legalismo, como uma inscrição de uma nova norma, o "não-pode" trocado pelo "agora pode" é apenas um legalismo as avessas. De fato funciona como uma "revisão do legalismo" antes vigente. É como se gritasse: "estava errado e achamos um modo de corrigi-lo". É o velho bordão satânico ( as vezes o é de fato ): "Não foi assim que Deus disse mas..."
Assim posto temos a tendência ao legalismo e a tendência aparentemente oposta do anti-legalismo impondo uma nova regra com a ausência das "regras indesejáveis". Um exemplo disso é o surgimento de "igrejas evangélicas" para gays constituídas e organizadas por pessoas que se dizem crer em Deus e em tudo o que a Bíblia possa dizer, mas que "mudam" o aspecto legal das escrituras que consideram injusto e errôneo. Vemos portanto que a percepção inconsciente do que seja uma "Lei" é algo natural e presente em todos os aspectos de nossa vida, seja religiosa e secular. Nem mesmo um louco, em sua loucura localizada, conceberia uma vida totalmente sem lei, sem regras, sem algo que a amarrasse e desse um sentido previsível e razoável. Aliás os loucos no seu mundo particular, agem estranhamente baseados em uma lógica mais rígida que as pessoas tidas como normais, o que justifica em muitas ocasiões seus atos de insanidade, que se chocam frontalmente com a lógica da maioria das pessoas ou da sociedade em que vivem mas que a eles parecem verdadeiramente razoáveis e com uma verdade clara e incontestável.
Vejamos entretanto o longo caminho, que será apenas esboçado nesse artigo, dizendo respeito a lei e a Graça. Adianto que segundo o meu ponto de vista, contrariamente ao que se aventa normalmente, a Lei e a Graça andam juntas em toda a Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse e não separados pelo tempo numa linha histórica que se interrompe, anula e se inicia a seguir. Temos em Gênesis a Criação de todas as coisas e posteriormente da Terra e finalmente do Homem e da Mulher. A Criação é um ato de Graça de Deus e nada menos que isso. Nada Lhe obrigava ( a Deus ) criar o universo, a terra e a raça humana. A vida é um ato da Graça de Deus e no Éden havia a dádiva da Árvore da Vida que graciosamente daria aos seres humanos uma vida interminável ou extremamente duradoura. Se o homem caísse de um penhasco possivelmente morreria, mas não de doença ou de velhice simplesmente. De algum modo, como no Apocalipse a Árvore da Vida seria "para a saúde das nações" interminavelmente. A vida e a Árvore da Vida são expressões, manifestações práticas da Graça de Deus. Mas a Lei lá estava presente na determinação: "de todas as árvores e de seus frutos podereis comer, menos da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal". Se desobedecida ( como foi ) haveria uma retaliação, uma castigo, uma perda, uma queda de condição ideal para uma com menores privilégios.
Ao homem bastaria para usufruir da Graça, respeitar e obedecer a Lei. Alguns defendem que no Éden só havia a "graça" e não a "lei". Vemos que as duas estavam, se encontravam, vigentes e presentes. Há ainda a discussão teológica de que Adão e claro Eva, poderiam não pecar, ou foram criados justamente para pecar segundo decreto de Deus. Asseveram alguns que os mesmos não seriam livres para escolher entre uma coisa e outra, e um dos motivos seria a carência de conhecimento prévio, e a não-existência de um tal livre-arbítrio, conceito só criado filosóficamente muito mais tardiamente, algo que propicia uma longa, e porque não dizer interminável controvércia, por uma série de outras implicações teológicas.
Ainda a seguir, logo após a queda, Deus trata bem a Adão e Eva, algo inconcebível nas mitologias posteriores como gregas, romanas e ainda outras, anteriores as duas como a egípcia por exemplo. Como manifestação de Graça, Deus dialoga com o casal de infratores, constrói com eles soluções ( as roupas de peles ) e lhes dá uma prévia da nova vida e dos desafios que enfrentariam na sua nova e não tão boa vida vindoura, isso também é Graça. Finalmente faz a Eva promessa de redenção, de uma vingança, de uma reviravolta contra aquele ( Satanás ) que a enganou. Deus toma partido do homem e da mulher contra Satanás e isso é Graça novamente. Mas no confronto futuro, sob alguma regra ( não seria de qualquer jeito, legalmente, e Lei portanto ) o descendente da mulher seria ferido no calcanhar mas feriria a cabeça da Serpente ( Satanás ).
No episódio entre Caim e Abel com a morte do segundo, a Graça de Deus se manifesta de diversas formas, desde a observação anterior feita pessoalmente a Caim quando de sua tristeza e ciúme, quando depois ao ser colocada uma marca para que Caim não fosse morto por outra pessoa em represália a seu crime hediondo. Mas a lei se manifestara na apresentação das ofertas, a aceita de Abel e a rejeitada de Caim. Uma cumpriu o esperado, o legal, a legitimidade de uma oferta, a outra não. Se a "legalidade" a qual se transformou, se materializou em rejeição da oferta pode ter sido a oferta exteriormente ( produtos do campo versus cordeiro ) ou interna do coração, enfim uma opção teológica na falta de mais informações.
Sobre Enoque se diz que "Enoque andou com Deus e Deus para Si mesmo o tomou". Depreende-se que Enoque agradou a Deus em todos os quesitos, enfim todos os pontos, do que enfim se esperaria de um ser humano na relação com o Seu Deus Criador. Dá para imaginar Enoque andando com Deus e fazendo o que bem queria, sem nenhuma correspondência ao que Deus esperaria dele ( Enoque ) ou de qualquer um de nós ? Parece razoavelmente que não.
TO BE CONTINUED ( continua...)
Por Helvecio S.Pereira
COMPLEMENTOS
DEFINIÇÕES
A GRAÇA
O que é a Graça na Bíblia?
O que é a Graça na Bíblia?
“Graça - (do hebraico hessed; do grego charis; do latim gratia) Favor imerecido concedido por Deus à raça humana. É um fluir único da bondade e generosidade de Deus. O objetivo da graça é duplo: 1. salva o homem do pecado; e 2. restringe a ação deste (pecado), levando o homem a viver nas regiões celestiais em Cristo Jesus. A graça, ensina o apóstolo Paulo, é operada pela fé.”
Somos salvos pela graça (Ef. 2:5,8) e alcançamos esta graça pela fé, que também é um dom de Deus (Ef. 2:8). Ele nos veste com vestes de salvação (Is. 61:10). Pelo próprio conceito dado, aprendemos que não fazemos ou temos nada que nos torne merecedores da salvação (que vem pela graça). Ela simplesmente é fruto do amor (Jo 3:16) e da misericórdia de Deus ( Ef. 2:4,5).
Esta graça está disponível a todos os homens (Ler Tt 2:11). Ela produz justificação, santificação e, por fim, glorificação. É muito importante saber que sem a graça de Deus não há salvação para nós (Ef. 2:8,9). Por mais que nos esforcemos, não produziremos justiça própria que nos garanta a entrada no céu (Is. 64:6). Só nos resta aceitar o convite da graça em Is. 1:18, 19.
A LEI
O que é a Lei na Bíblia?
A lei de Deus é uma descrição de Seu caráter. Deus é: Santo (Lv. 19:2); Justo (Sl. 145:17); Bom (Sl. 34:8); Eterno (Is. 40:28); Imutável (Ml. 3:6); Amor (I Jo. 4:8), apenas para citar algumas das características de Deus. Sua Lei também é Santa (Rm. 7:12); Justa (Rm. 7:12); Boa (Rm 7:12); Eterna (Sl. 119:144); Imutável (Sl. 89:34); e o cumprimento dela é o Amor (Rm. 13:10).
Em Êxodo 20, é encontrada e chamada de “lei moral”, mas existem também outras leis, como a “cerimonial” e a de “saúde”, por exemplo. Ela nos foi dada como um padrão de conduta tanto para o nosso relacionamento com Deus, como para com os homens. É dever de todos os homens guardá-la (Ec. 12:13),e isto só é possível com a ajuda de Jesus (Jo 15:5).
A LEI
O que é a Lei na Bíblia?
A lei de Deus é uma descrição de Seu caráter. Deus é: Santo (Lv. 19:2); Justo (Sl. 145:17); Bom (Sl. 34:8); Eterno (Is. 40:28); Imutável (Ml. 3:6); Amor (I Jo. 4:8), apenas para citar algumas das características de Deus. Sua Lei também é Santa (Rm. 7:12); Justa (Rm. 7:12); Boa (Rm 7:12); Eterna (Sl. 119:144); Imutável (Sl. 89:34); e o cumprimento dela é o Amor (Rm. 13:10).
Em Êxodo 20, é encontrada e chamada de “lei moral”, mas existem também outras leis, como a “cerimonial” e a de “saúde”, por exemplo. Ela nos foi dada como um padrão de conduta tanto para o nosso relacionamento com Deus, como para com os homens. É dever de todos os homens guardá-la (Ec. 12:13),e isto só é possível com a ajuda de Jesus (Jo 15:5).
Helvécio,
ResponderExcluirMuito interessante sua abordagem nesta introdução ao tema "Graça e Lei", mas estou mesmo esperando você escrever diretamente sobre a prevalecência delas no AT e NT; o que ocorrerá na sequência, certo?
Quanto à questão da antiga e nova Aliança ou Pacto, tenho uma opinião que difere da maioria, exatamente por não ser dispensacionalista como os proponentes das duas alianças são. Creio que Deus fez o pacto com o homem, um pacto somente, e esse homem foi com Jesus Cristo, pois nenhum outro seria e é capaz de cumprir a parte que lhe cabe no pacto, somente ele. Portanto, as dispensações do pacto, não são novos pactos, mas apenas um único pacto que Deus firmou com o seu Filho Unigênito, e que se desenvolveu na história para provar que nenhum homem é capaz de cumpri-lo, e que carecemos e necessitamos desesperadamente da graça divina.
Da mesma forma que somos beneficiários da obra consumada de Cristo, da qual não podemos acrescentar nada, também somos beneficiários do pacto firmado entre Deus e Cristo; os co-herdeiros do Reino e da obra realizada por Deus em Cristo.
Não entendo que haja qualquer separação entre AT e NT, entre Lei e Graça [no sentido de que a graça pudesse ser um meio de salvação, pois jamais foi]. De tal forma que há apenas uma Aliança e um Pacto entre Deus e os homens, por meio de Cristo nosso Senhor.
Mas de uma forma geral, concordo com praticamente tudo o que você escreveu; mas fico no aguardo pelo que você postará adiante.
Grande abraço, meu amigo e irmão!
Cristo o abençoe!