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quarta-feira, 15 de junho de 2011

LIÇÕES A PARTIR DA VIDA E EXPERIÊNCIAS DE ABRAÃO - PARTE UM


A pior coisa, em se tratando de leitura e aprendizado bíblicos, é o de justamente julgar os textos das Escrituras simplistas. Duas atitudes decorrem dessa postura diante da Bíblia e de seus registros: julgá-los desatualizados e depois julgá-los míticos.  O resultado mais imediato é uma descrença sumária ou uma adaptação diante do conhecimento do que nela é encontrado: lições morais superficiais e bastante idealizadas. Um exemplo atual é, por exemplo, o que é visto em setores do protestantismo histórico ( e não só neles ), em que  a Bíblia não é crida como ela é, mas mesmo assim por tradição, certos aspectos escolhidos a dedo são inspirativos de alguma maneira. 

Se por acaso algum visitante desavisado entrar em uma reunião de uma "igreja evangélica gay", certamente ouvirá por parte de algum pregador gay confesso, sermões bíblicos acerca do perdão, da caridade, ajuda mútua, acerca da existência e do amor de Deus pela humanidade, etc, etc, mesmo porque a Bíblia não é propriedade de nenhuma igreja cristã ou até não-cristã em particular. Semelhantemente a qualquer igreja, essas pessoas que têm essa postura relativa à vida, fogem ( como todos os demais de todas denominações por motivos e pretensões variadas ) de textos e declarações das Escrituras que causem algum perigo ao que acreditam particularmente. Trata-se de procurar e ver nas Escrituras, algo que não nos afete, não nos reprove, não nos provoque, não nos confronte.

De fato todos nós, na maioria das vezes, parecemos ouvir só o que gostaríamos de ouvir, um eco de nossas próprias vozes. A Bíblia não foi escrita com esse propósito, o de nos agradar, massagear o ego, dizer coisas palatáveis aos nossos ouvidos que procuram somente por certos odores e sabores. Trata-se de um perigo e algo que nos impede objetivamente de experimentar "qual a boa, perfeita e agradável vontade de Deus". Não é imaginável isso de Abrão, aquele que seria reconhecido futuramente como o "pai da fé".

Tenho reiterado nesse blog, a minha posição particular mas pertinente, que em nenhum momento, as Escrituras, objetivam nos agradar plenamente. Se gostamos e manifestamos preferência inconsciente por algum texto ou exemplo bíblico, deveríamos sabiamente "engolir" os que nos contradizem e nos desagrada teologicamente. Alguns dizem que amam a cruz e apreciam o sacrifício de Cristo por nós. Não é muito lógico ter prazer no que o Senhor fez ou melhor sofreu. Uma coisa é reconhecer o Seu sacrifício por nós, outra coisa é apreciá-lo, no que concerne o seu padecimento. Prova disso são duas, uma bíblica e outra contemporânea: o próprio Senhor Jesus pediu ao Pai que passasse se possível o cálice de Si, de tão terrível, horrível que foi; outra é o fato do melhor filme sobre o sacrifício de nosso Senhor e Salvador ter sido até hoje, Paixão de Cristo. Não dá para assistí-lo prazeirosamente mais de uma vez, várias vezes, quem o faz e tem prazer em assistí-lo, não é definitivamente uma pessoa normal. O hino Rude Cruz, mundialmente conhecido, em todas as suas versões nacionais enaltece a mensagem da cruz e não a cruz. A cruz em si e todos os acontecimentos a ela relacionados, anteriormente e pós crucificação, são tão terríveis e difícieis de serem revividos na memória, ainda que aplicados a criminosos e culpados comprovados, quando mais ao "Deus conosco",Jesus Cristo.

O objetivo dessa postagem é tirar lições importantes da vida de Abraão e relacioná-las com a nossa experiência de vida. Se partirmos da premissa de que a história, a biografia de Abraão, não se encontra registrada apenas para conhecimento de todos que viveriam depois dele, mas como exemplo e revelação de como se processaria de fato a relação real entre o homem e Deus, de fato poderemos aprender o que de fato, é relevante para a nossa vida hoje.

A vida de Abraão de torna relevante, quando ainda seu nome era Abrão. Nas Escrituras conhecemos o lugar de seu nascimento e a cultura em que vivia até o seu efetivo chamado por Deus. Lemos nas Escrituras em:





Gênesis 12


Ora, o SENHOR disse a Abrão: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei.
E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção.
E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra.
Assim partiu Abrão como o SENHOR lhe tinha dito, e foi Ló com ele; e era Abrão da idade de setenta e cinco anos quando saiu de Harã.
E tomou Abrão a Sarai, sua mulher, e a Ló, filho de seu irmão, e todos os bens que haviam adquirido, e as almas que lhe acresceram em Harã; e saíram para irem à terra de Canaã; e chegaram à terra de Canaã.
E passou Abrão por aquela terra até ao lugar de Siquém, até ao carvalho de Moré; e estavam então os cananeus na terra.
E apareceu-o SENHOR-a Abrão, e disse: Å tua descendência darei esta terra. E edificou ali um altar ao SENHOR, que lhe aparecera.
E moveu-se dali para a montanha do lado oriental de Betel, e armou a sua tenda, tendo Betel ao ocidente, e Ai ao oriente; e edificou ali um altar ao SENHOR, e invocou o nome do SENHOR.
Depois caminhou Abrão dali, seguindo ainda para o lado do sul.




Abraão foi chamado e dessa mesma forma, nós que hoje cremos e conhecemos de alguma maneira as Escrituras e o Deus bíblico, fomos igualmente chamados. Isso é relevante pois se trata de um divisor de águas, um relevante novo início, dividindo uma única existência em dois tempos: um antes e um depois. Muitas religiões e muitos setores tecnicamente parte do cristianismo não vêem assim os seus adeptos. Para  católicos romanos por exemplo, o simples batismo infantil, fato ignorado pela mente do infante, por motivos óbvios e naturais, constituem para a igreja Católica Apostólica Romana, uma filiação a Deus bem como uma união com a instituição eclesial. Para evangélicos históricos e tradicionais, em muitos países, particularmente na América do Norte e Europa, a tradição familiar aparentemente constitui uma ligação religiosa entre as pessoas individualmente e a igreja ou denominação. Catecismo, catecumenia, discipulado e profissão de fé, guardadas as proporções são aceitas como variáveis de aceitação e introdução dos eventuais prosélitos ou novos cristãos à cada igreja.  Os sacramentos, variáveis de igreja para igreja, de confissão para confissão, são acontecimentos públicos que reforçam essa ligação. 

Embora legítimos, e descontadas as suas varáveis, a chamada de Abrão foi, de certa forma particular, em segredo, apenas entre Deus e Abrão. Não foi um ato ostensivo e público mas privado, mais uma vez, repito entre Abrão e seu Deus apenas. Do mesmo modo o encontro com Deus não é de fato um ato passível de ser forjado por qualquer religião, igreja, denominação, teologia, etc, mas unicamente entre o ser humano, finito, limitado, anônimo entre bilhões e o único Deus criador de todas as coisas, do próprio indivíduo e do universo até os seus mais inimagináveis limites. Inútil e patética a beatificação por parte da Igreja católica Romana, ou simples inclusão no rol de membros de qualquer igreja cristã particular. O homem deve atender individualmente o chamado pessoal de Deus e não há outra, de fato, nenhuma alternativa.

Abrão possivelmente ( certamente eu diria ) recebeu informação necessária e correta sobre o único Deus. Não se tratou de uma iluminação estemporânea como a aventada por fundadores de algumas religiões como Maomé para o islamismo, incluindo também igrejas paraprotestantes como Mórmons e Testemunhas de Jeová e não poucas igrejas mais distantes da revelação bíblica como a Igreja da Unificação do reverendo Moon, Caminho Antigo, Vovó Rosa e tantas outras, numa lista praticamente infindável. Esses se autoproclamam como seres humanos distintos dentre todos os outros por razões meritórias diversas, algumas patéticas e quase sempre claramente duvidosas, e mais do que erro, simples presunção. Abrão foi educado como os membros de sua família acerca de Deus, ouviu exatamente o que os demais ouviram acerca de Deus. Hoje igualmente a Bíblia chega as pessoas de várias maneiras, de maneiras tão diversas quanto a experiência humana, mas de modo único como a Palavra de Deus, a ser conhecida e crida. A resposta de cada um a essa possibilidade é que se manifesta diferentemente. Uns de fato, crêem mais, outros menos, alguns totalmente, outros com reservas, alguns limitada e convenientemente, outros vêem todas as possibilidades. Creio ser essa a distinção no coração de Abrão: algo em seu coração se fez diferente de todas as demais pessoas, incluindo até mesmo as pessoas mais velhas que lhe transmitiram tal conhecimento tão precioso.

Abrão afinal foi escolhido ou foi achado? A Bíblia usa algumas vezes a expressão "achado", "achada". Sobre Satanás as Escrituras declaram que foi achado nele  ( Satanás ) iniquidade. A Bíblia, não poucas vezes, mostra o Deus bíblico observando o homem em alguma situação. Mais do que simples antromorfia, uma descrição divina comparável a descrição de um ser humano, o que muitos julgam como simples e necessário artifício linguístico, compreendo como fato. Embora conhecedor de todas as coisas "in totum", o Deus atemporal e supra temporal, entra no tempo, e dessa forma observa no tempo como grandeza as ações humanas. Dessa forma algo em Abrão o distinguiu na história e dentre os infinitos eventos, dentre todos os seus contemporâneos, tão humanos  e limitados como ele próprio.

Mas foi uma chamada meritória ou graciosa? Se respodermos meritória, de fato Abrão tinha de alguma maneira algo que o fazia melhor e portanto merecedor dessa chamada. Entenda-se por merecedor, algo que possa de alguma maneira ser exigida por direito, ou seja Deus gostando ou não, mas sendo perfeitamente justo, teria de dá-lo ( a Abrão ) do mesmo jeito. Se a nossa salvação hoje fosse meritória, teríamos direito a exigí-la após, em tese, algum processo, gostando Deus de nós , e nós dEle, algo de fato a ser exigido e recebido por direito. O Filho Pródigo, exigiu do seu pai, a sua parte na herança com o pai ainda vivo, e o pai a concedeu legitimamente, segundo a tradição da época, como direito, não foi uma doação, mas uma sessão. Dessa mesma forma a chamada de Abrão não foi um direito de Abrão, algo que Abrão pudesse exigir, por ter méritos inatos a apresentar. A meu ver, segundo o que vejo nas Escrituras, em tal altura da vida, após ouvir e aprender sobre Deus, algo se produziu no coração de Abrão, e esse algo foi então achado por Deus.

Quando hoje ouvimos a Palavra de Deus, seja por intermédio de qual pregador ou igreja for, algo brota inadivertidamente no coração do ouvinte, em resposta a palavra ouvida. A semente encontra boa terra brota vigorosamente, quando são as pedras que lhe dão algum ou pouco espaço, brota diferentemente mas brota, brota fracamente ou não brota de modo algum. É a resposta do homem a oportunidade divina. Embora conhecedor de todas as coisas e entre as quais todas as partes já lhe sejam conhecidas mesmo antes de serem formadas, de conhecer o nosso coração, de modo que nos é impossível mentir a Deus, esse Deus "procura verdadeiros adoradores". Há portanto algo que produzimos inadivertidamente, para o nosso bem ou para nossa perdição. Caim decaiu o sembrante e Deus o avisou. Adão e Eva sentiram vergonha e se esconderam de Deus pois se viram nús e Deus lhes perguntara: "quem lhes disseste que estavam nús?" Satanás não disse ao casal de humanos que estavam nús. Isso nasceu no coração de Adão e Eva. Não somos robôs, produzimos autônomamente algo de nós mesmos chame a isso o que quiser mas é isso que a Bíblia nos revela. Produzimos fé ( não a fé como capacidade, essa dada, doada por Deus a todos os homens ), uma fé original e única, superior a todos os próprios Israelitas contemporâneos de Jesus Cristo, elogiada pelo próprio Senhor a um pagão.

O nosso maior dilema após conhecermos ao Senhor como Deus único e verdadeiro é de fato vislumbrar todas as possibilidades diante de nós nesse relacionamento. Em geral a religião como intituição legítima é limitadora por causa de todos os intrumentos que a consolidam como tal, incluídas aí as igrejas legitimamente cristãs. Católicos romanos mais não crêem do que crêem, ou seja o que crêem é de fato mais limitador do garantidor do verdadeiro e real conhecimento de Deus e de sua ação no mundo. Do mesmo modo reformados, históricos, tradicionais, pentecostais, neopentecostais, etc. A religião, a igreja institucional parece encher a nossa mente com "gadgets" desnecessários que entopem a nossa relação e conhecimento da vontade de Deus. Diferentemente de Abrão temos tantas reuniões, tantas atividades, tantos sermões a fazer, ouvir, tantas coisas a "meditar", tantas fontes e vozes diferentes, tantas opiniões, tantos teólogos, tantos livros a ler, etc. 

Há tanto o que fazer, como fazer e consequentemente " o que não fazer", que mesmo conhecendo a Palavra de Deus é inevitável que crentes e salvos não andemos com Deus como Abraão andou, como os apóstolos andaram, e possamos ser usados por Deus como eles foram. Para muitos a compensação necessária e remediadora é mudar de igreja ( o que as vezes é necessário mas nunca regra por si só ). Muitos da mesma forma mantém um nível de cristianismo público aceitável mas privadamente sofrível vindo a suceder-lhes males e infortunios iguais aos que sucedem aos que não conhecem e não gozam de uma experiência genuína com o verdadeiro Deus.

Qual a fonte de conhecimento de Abrão sobre Deus? Aparentemente a educação acerca de Deus era familiar e oriunda de transmissão oral por gerações vinda diretamente desde Adão e Eva. Mas havia outro detalhe: fruto de uma experiência pessoal. Abrão ouviu Deus chamar-lhe, dizer-lhe audivelmente, que deveria sair da sua terra e do meio de sua parentela. Essa voz de Deus falando a Abrão só foi possível via comunhão com Deus. Abrão falava com Deus, Abrão orava a Deus conforme ensinado desde a infância certamente. Não há possibilidade de experiência religiosa real e verdadeira sem oração e resposta de Deus. É possível dizer coisas a Deus, de certa forma todas as religiões e religiosos aparentemente se encontram numa ação de dizer, falar a divindade. Isso não é original e nem peculariedade do cristianismo sobre as demais religiões. Mas os profetas de Baal falaram ao seu deus, quatrocentos deles, clamaram, se feriram, mas Baal não os ouviu, pois Baal de fato não existia e não poderia portanto fazê-lo. O Deus bíblico se manifesta de modo real ao homem. Não é algo retórico, mítico, apenas teologicamente possível e plausível, mas fato, concreto, real , verdadeiro, histórico, mesmo anônimo em se tratando das múltiplas experiências individuais.

CONTINUA...

Por Helvécio S. Pereira

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