É de fato uma grande pena e perca irreparável o desprezo que a maioria das pessoas, incluídas nesse número, cristãos e crentes, dão as Escrituras, a Bíblia como Palavra de Deus. Não me refiro a casos mais classos de não lê-la, mas de julgá-la rasa e de pouca monta. Não me refiro também às não poucas limitações naturais, de escolaridade, de aptidão para leitura, de pouco ou nenhum acesso ao objeto material, o livro, à própria disponibilidade em uma língua própria mas num vocabulário mais acessível e contemporâneo, todas essas limitações e problemas contemplados por alguma boa intencionada ação de levar o texto bíblico minimamente à todas as pessoas.
Digo-o, no sentido dos que privilegiadamente, mais do que outros, se omitem e se excluem do número daqueles que podem cavar mais fundo e pelo entendimento ver mais do que se vê na superfície das coisas sem contudo enveredar-se por um perigoso caminho e uma terrível atitude, de transformar a verdade revelada em obscuro mito, coisa que se dá, com apoio da mídia e da sétima arte, de forma terrível.
O bom das Escrituras é que destroem com poucas cajadadas a ilusão de nós contemporâneamete sabemos mais coisas que o homem do passado. Sabemos mais relativamente: desenvolvemos mais ferramentas e meios, mas não sabemos mínimamente fazer o nosso próprio alimento e individualmente não conhecemos minimamente soluções banais para coisas banais da vida, coisa que o s antigos sabiam muito mais e melhor do que nós. Sem os suportes modernos corremos o risco de perecermos vergonhosamente em poucas horas ou dias, atravessando uma mata, e andando não muitos quilômetros.
Dessa forma o deus moderno é o aporte tecnológico e científico, que como espécie humana e com o tempo conseguimos, sob certo aspecto, conservar e desenvolver por motivos quase sempre dúbios e objetivos irresponsáveis. Os antigos, particularmente, os que dentre as grandes civilizações se alfabetizavam e privilegiadamente podiam se dar o privilégio de pensar a sua existência, sabiam usar as palavras com exatidão, descrevendo os seus mais profundos pensamentos por comparações magníficas, pouco alcançadas por escritores e pensadores modernos, indo do simples ao complexo, do material e palpável ao transcedental. Aí se inclui magnificamente todo o texto bíblico. Raso aos menos avisados, resumido e direto, pela dificuldade e demora de se escrever e reproduzir o texto, mas profundo, rico e por mais que se profunde quase sempre há mais a se ver.
A Bíblia não é um livro simples e seus textos não são simples e não se exaurem rápida e vagamente o sentido. Ninguém se árvore em ser mais esperto do que o Deus, que não só fez mas que também sustenta todas as coisas. É loucura e franca temeridade. Na Bíblia há mais coisas do que a nossa "vã filosofia" ousa tatear. Entretanto há um elemento de revelação, não possessivo como em crenças humanas, nas quais o crente passa a pensar ilógicamente sem nexo, mas a revelação escriturística é dialógica com a mente humana, demandando tempo, relação com o grande autor, reatamento de comunhão perdida, recebimento por parte do perdão e da virtude da fé, não no livro objeto, mas no autor da mensagem.
Disse o que disse para abordar um dos sentidos encontrados nas Escrituras, o qual pode ser compreendido rasamente ou conforme estudo da própria Escritura captados o seu sentido mais amplo.
Frequentemente se ouve e se usa o vocábulo "ordenar" para defender-se a inequívoca ( pois o é ) soberania divina. A idéia é que Deus tenha ordenado, dado ordens para que todas as coisas acontecessem indiscriminadamente como aconteceram até agora, e todas as demais para o infinito futuro, antes de todo o tempo e além de todo o tempo.
Frequentemente se ouve e se usa o vocábulo "ordenar" para defender-se a inequívoca ( pois o é ) soberania divina. A idéia é que Deus tenha ordenado, dado ordens para que todas as coisas acontecessem indiscriminadamente como aconteceram até agora, e todas as demais para o infinito futuro, antes de todo o tempo e além de todo o tempo.
Dessa forma, relacionando certos textos com outros chega-se a conclusão apressada, que é aceita e justificada facilmente pelo seu objetivo inequívoco e legítimo, do reconhecimento da grandeza do Deus bíblico,algo que todos os cristãos crêem sem reservas e sem oposição. Só que as línguas originais da Bíblia dizem muito mais que as traduções possíveis para as muitas línguas modernas. Isso não é um defeito mas um problema natural do processo da comunicação linguística, o sentido está no ouvinte e não no emissor. conforme teorias bastante confiáveis de comunicação. Ou seja para entender-se corretamente a comunicação guardada no texto bíblico, devemos ter os ouvidos e conhecer o sentido do ouvinte para o qual presentemente à época foram ditos ou escritos. Tudo foi dito para as pessoas do passado primeiramente e por extensão a nós hoje. Esse é o processo a ser entendido para correto entendimento das Escrituras, das verdades contidas e maravilhosamente "escondidas" na Bíblia.
Voltemos ao vocábulo " ordenar". keleuó significa entre outras coisas, "mandar", "ordenar", esse vocábulo, no NT, se restringe mais aos livros de Mateus e Atos, de dois autores contemporâneos mas diferentes, referindo-se a manifestação de autoridade humanas A palavra keleusma entretanto se refere a um "sinal" ou "convocação" de Deus. Para entender o seu sentido temos de procurá-la no único lugar em que é usada numa tradução grega no VT, exatamente em Provérbios 30:27 que diz: " os gafanhotos não tem rei; contudo, marcham todos em bandos;" Mas onde se encontra a palavra keleusma no texto antigo? acontece que para se chegar a frase em nossa língua, deve-se compreender a frase original, que por ser produto de uma outra família linguística não foi construída como a nossa língua moderna. De fato, keleusma explica a razão dos gafanhotos "sem rei", "marcharem em bandos". Não é maravilhoso?
Bem vamos agora compreender o "ordenar" de Deus no NT, com base no mesmo vocábulo: "Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro." ( I Tesalonicenses 4:16 ).
Ordenar nos dois casos é uma ordem, advinda de uma autoridade de Deus, a mesma que faz os gafanhotos, sem rei andarem em bandos e que ressuscitará os mortos em Cristo naquele dia. O espaço é pequeno mas quero adiantar que o simples vocábulo "ordenar" parece nas Escrituras com vários sentidos e em diferente s situações, expressando cirurgicamente, poderíamos dizer, o sentido único, pois em cada situação significará algo diferente e revelador àquela situação especificamente. No caso de Tes 4:16 aparece como o próprio grito do arcanjo anunciando a vinda do Senhor. Keleusma nos dois casos é o sinal ao que obedecem os gafanhotos "sem rei" e a palavra de ordem, que no caso da parte de Deus pode ter sido anunciada por si mesmo, por Cristo ou pelo próprio arcanjo ( algo não claro no texto original ), mas semelhante a esse sinal e ordem ( a própria ordem ) gafanhotos e mortos em Cristo ressuscitarão.
Outra palavra é parangelló que também significa,entre outras coisas, ordenar. dar ordens, instruir, dirigir. Já parangellia significa a própria "ordem." São muitos exemplos, e eu destacarei alguns, outros podem ser estudados pessoalmente: o sentido predominante é de uma ordem a ser obedecida, de algo que não possa ser feito de outro modo, mas que potencialmente o ouvinte poderia não fazê-lo, ou ainda fazê-lo de outro modo, claro com consequências ao não cumprimento relacionadas. A ordem é dada e ao ouvinte fica a responsabilidade de cumprí-la, isso é muito importante. Os exemplos são entre eles: em Mateus 15:35 encontramos Jesus ordenando "o povo assentar-se no chão "; em Lucas 5:14, o mesmo Senhor Jesus ordena o silêncio do leproso curado por Ele. Ambos são o emprego do "ordenar" baseado na autoridade. As pessoas poderiam assentar-se ou ficar de pé, o leproso poderia soltar a língua e contar que fora curado. A autoridade e o reconhecimento dela é a garantia da obediência nesses casos.
Em 1 Cor 7:10 ao dar a sua opinião sobre o divorcio distinguindo a sua opinião da do Senhor, o faz como o mesmo uso do vocábulo "ordenar " ( parangelló/ parangellia ). Prosseguiremos em outra oportunidade, pois eu mesmo estou aprendendo sobre o assunto. Isso diminui a Soberania de Deus? Não. Há apenas a distinção de inúmeras situações diferentes que devem ser o mais exatamente compreendidas.
Há situações como essas que alguém pode se sentir incomodado pensando que Deus ficou "menor", o que não é o que as Escrituras deixam-nos ver. Outras entretanto, as quais julgamos o máximo da exigência, poder e autoridade divinas, veremos que é verdadeiramente bem pior ( se pudermos imaginar tal situação e suas implicações ).
Outro vocábulo é "entolé ", significando "dar instruções" e também "ordenar" sob uma relação de autoridade. É encontrada, como um dos exemplos, em I Samuel 13:14 e 16:21, em que Saul é destituído por Deus e em sue lugar é escolhido o próximo rei de Israel: "o Senhor...já lhe ordenou que seja príncipe sobre o seu povo, porquanto não guardaste o que o Senhor te ordenou." - no caso é dito a Saul, sobre Davi novo rei, e sobre Saul, que não cumpriu as ordens de Deus.
Não é fantástico ver tantos detalhes, em textos que muitos não só evitam, olham apressadamente e supõem menos signifância?
Pois é. Vamos não só ler mas dedicarmos mais tempo em aprendermos com as Escrituras, entretanto convém lembrar que não é o volume de conhecimento que faz as coisas acontecerem na vida cristã e no mundo real, mas no volume e na qualidade da obediência e da fé pessoal. Não são poucos que conhecem muito e têm um conhecimento legitimamente invejável e desejável, mas que não possuem igual graça nas suas vidas.
Por Helvécio S. Pereira
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