Surpreendentemente, embora a pessoa do Senhor Jesus Cristo seja históricamente consensual na sua importância, pra os que crêem nEle e para os que a todo custo buscam negá-Lo ou diminuí-Lo, deveriam ser consideradas apropriadamente as considerações do evangelista João.
Escrito posterior ao, também de sua autoria, o Apocalípse, e com a força de uma testemunha não só de um Jesus visto entre as pessoas na terra , mas glorificado nos céus, o uso teológico que João faz do conceito do Logos, e este uso por ser peculiar, não encontra paralelos, quer na filosofia helenística quer no pensamento judaico, devem ser absorvidos com atenção.
O significado primeiro e o mais importante é a preexistência de Jesus, que é o Logos. "No principio" aponta para além da criação, pois o Logos foi o agente da criação. Esta expressão, com toda certeza é uma alusão deliberada a Gênesis 1:1: "No principio criou Deus os céus e a terra". "O principio", em João 1:1, ultrapassa Gênesis 1:1. No próprio principio do passado da eternidade a palavra existia.
A preexistência de Jesus é refletida em vários lugares no próprio ensino de Jesus, conforme nos transmitem os relatos. "Antes que Abraão existisse, eu sou" (8:58). Esta afirmação surpreendente é uma alusão ao uso do Antigo Testamento. Deus revelou-se a Moisés como "Eu sou o que sou" (Ex 3:14). "Vede agora que eu, eu o sou, e não há outro deus além de mim" (Dt 32:39). A preexistência também é afirmada na última oração de Jesus: "Agora, pois, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que eu tinha antes que o mundo existisse" (17:5; cf. 6:62). A idéia de preexistência não foi invenção do evangelista. Paulo expressa claramente em seu grande hino a respeito da encarnação (Fl 2:6; cf. Cl 1:15 e ss.) e fez alusão a ela em uma correspondência anterior (1Co 8:6; 2Co 8:9). É impossível dizer com certeza quando e como a Igreja tornou-se cônscia da preexistência. A escola das religiões comparadas insiste que a igreja primitiva interpretou Jesus em termos do mito do salvador que desceu e ascendeu novamente ao plano superior. Entretanto, a preexistência foi uma idéia judaica. Em Enoque, o Filho do Homem é descrito claramente como um ser celestial (se não divino) preexistente, que vem à terra para estabelecer o reino de Deus (Enoque 39:7, 8; 48:6, 62:7). O próprio uso que Jesus faz, do termo Filho do Homem envolvido e implícito, afirma a preexistência. O Jesus conforme apresentado por João somente afirma mais explicitamente aquilo que nos Sinópticos está implícito. Entretanto, a idéia da preexistência somente poderia ser compreendida e encontrar expressão plena após a ressurreição e ascensão de Jesus; e, da evidência que podemos obter das cartas de Paulo, isto aconteceu num período primitivo da vida da Igreja.
Em segundo lugar, João usa a idéia do Logos para asseverar a deidade de Jesus. O Logos estava com (pros) Deus, e o Verbo era Deus (theos em ho logos). A palavra grega exprime duas idéias: O Verbo era deidade, mas não era plenamente idêntico à deidade. O artigo definido é usado somente com o vocábulo logos. Caso João houvesse utilizado o artigo definido também com o vocábulo theos, ele teria dito que tudo o que Deus é, o logos é: uma identidade exclusiva. Da forma em que está, ele declara que tudo o que o Verbo é, Deus é; mas ele implica que Deus é mais do que o Verbo.
Em terceiro lugar, João afirma que o Logos foi o agente da criação. Ele não é a origem última da criação, mas o agente através do qual Deus, a origem última, criou o mundo. Esta mesma teologia é expressa nas palavras de Paulo: que todas as coisas procedem de (ek) Deus através (dia) de Cristo (1Co 8:6; ver também Cl 1:16).
Em quarto lugar, há a surpreendente declaração de que "o Verbo se fez carne" (1:14). Tal afirmação escandaliza e refutaria todos os dualismos filosóficos e gnósticos que separavam Deus do seu mundo. Até mesmo Filo, com seu fundo contextual judaico a respeito de um Deus criador, o concebeu como completamente transcendente. Deus fez nascer um mundo original de idéias; mas o Logos, aqui uma deidade derivada secundaria, gerado por Deus na eternidade, dá forma ao mundo visível. João deseja enfatizar que foi o próprio Deus, no Verbo, que entrou na história humana, não como um fantasma, mas como um homem real, de carne e osso. A palavra traduzida por "habitou" (eskenosen), ou "tabernacular", é uma metáfora bíblica para indicar a presença de Deus. Esta declaração "implica que o próprio Deus estava presente na carne, na humilhação".
O quinto significado do vocábulo Logos é que ele veio em carne como revelador. Ele vem para revelar aos homens a vida (1:4), luz (1:4, 5), graça (1:14), verdade (1:14), glória (1:14) e até mesmo o próprio Deus. "Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está no seio do Pai, esse o deu a conhecer" (1:18). Se bem que João não tenha feito outro uso da expressão Logos além do prólogo, é claro que a teologia do Logos permeia todo evangelho.
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